Por Laura Restrepo y Pedro Sabouard – 5 de septiembre de 2024
No basta con denunciar el genocidio en Gaza, es urgente dar a la indignaciรณn cauces efectivos para la acciรณn polรญtica.ย
Gaza no es sรณlo Gaza. Mรกrtir e indomable, es tambiรฉn un sรญmbolo universal. Representa el mundo colonizado. El inmigrante, el oprimido, la mujer, el indรญgena, el negro. El trato que recibe Gaza es el mismo que se da a los demรกs. “Gaza es la primera experiencia para que nos consideren a todos desechables”. Frase de Gustavo Petro, de la que se hizo eco el polรญtico y escritor griego Yanis Varoufakis.
La gasificaciรณn del Tercer Mundo como estrategia imperial.
El genocidio en Gaza polarizรณ a la humanidad. Por un lado, estรก creciendo globalmente una conciencia solidaria y anticolonial, nacida del apoyo al pueblo palestino.
Una tarde lluviosa de junio se lleva a cabo un mega concierto en Bogotรก en la Plaza de Bolรญvar. Con una enorme bandera palestina de fondo y la inscripciรณn STOP EL GENOCIDIO, actรบan mรบsicos como Ahmed Eid, nacido en Ramallah, o el grupo Eescopetarra, portavoces colombianos de la no violencia. Con el Keffiyeh , el tradicional paรฑuelo blanco y negro, alrededor del cuello, entran las niรฑas y niรฑos que esperan en largas colas, bajo la lluvia, hasta que la plaza se desborda.
Del otro lado, en oposiciรณn y vinculados a los intereses de Israel, estรกn la intolerancia, la xenofobia, la islamofobia y la prรกctica de mรฉtodos extremos de saqueo, invasiรณn y exterminio.
En las mismas fechas del concierto en Colombia, en el teatro Gubbangen de Estocolmo, un comando de nazis enmascarados ataca una reuniรณn propalestina de partidos de izquierda, provocando 50 heridos. En Nuseirat, en el centro de Gaza, Israel bombardea una escuela de las Naciones Unidas, lo que provoca 50 muertos y decenas de heridos. En la ciudad de Washington โcuando la masacre en Gaza ha alcanzado mรกs de 40.000 muertosโ Netanyahu se presenta en el Congreso americano, pronuncia un discurso y recibe una gran ovaciรณn.
Ante los horrores de la Segunda Guerra Mundial, el escritor George Bataille tuvo una visiรณn. Bataille vio la Tierra proyectada al espacio como una mujer gritando con la cabeza en llamas. La imagen aparece hoy ante nuestros ojos. Somos testigos de un genocidio: este serรก nuestro estigma generacional.
Israel y el sionismo, con su polรญtica de tierra arrasada y exterminio, fijan la meta y marcan el camino a seguir.
Las potencias occidentales que apoyan y alimentan esta monstruosa calamidad transforman su orden basado en reglas en un orden basado en la hipocresรญa, la violencia y los dobles juegos: condenan la invasiรณn rusa de Ucrania, pero no condenan la invasiรณn israelรญ de Palestina.
A tolerรขncia e cumplicidade com os crimes de guerra de Israel empurram o Ocidente atรฉ ao abismo do desumano. Ao permitir-se a si mesmo o que tolerou a Israel, o Ocidente assumirรก a guerra como meio e o espรณlio como fim. Nรฃo haverรก raiva nem selvajaria que nรฃo se considerem lรญcitas e nรฃo sejam utilizadas em benefรญcio prรณprio.
Crianรงas despedaรงadas, mulheres queimadas vivas, cidades condenadas ร sede e ร fome, prisioneiros torturados, recรฉm-nascidos destinados a morrer, violaรงรฃo de todo o tipo de asilo, seja em escolas, hospitais ou campos de refugiados. Nem sequer Bosch, na sua mais delirante pintura do inferno, chegou a imaginar o que diariamente vemos nos ecrรฃs.
Desautorizando e ignorando a ONU, os Direitos Humanos, as organizaรงรตes de ajuda humanitรกria e os altos Tribunais Internacionais, e livres do peso da รฉtica, do respeito e da compaixรฃo, os impรฉrios antigos e os impรฉrios recentes convertem-se em mรกquinas raivosas, descarriladas.
Armar-se-รฃo atรฉ aos dentes; jรก o estรฃo a fazer.
Diante de uma devastadora crise ambiental, que minguou os recursos de subsistรชncia e que ameaรงa esgotรก-los, os paรญses ricos aperfeiรงoam a arte do saque. Encherรฃo as suas dispensas ร custa do resto do mundo.
Uma vez desmascarados da sua aura civilizadora, tentarรฃo manter a fachada justificando qualquer atrocidade em nome da defesa da democracia.
Nรฃo haverรก cรณdigo de convivรชncia que fique em pรฉ.
A distopia ocidental vai-se forjando e estica a cabeรงa. Poderia prever-se que, assim como a queda de Constantinopla marcou a ruรญna do Impรฉrio Bizantino, o genocรญdio de Gaza sela o fim da civilizaรงรฃo ocidental.
O Impรฉrio nรฃo assume passivamente a sua crise irreversรญvel. Antes de perder a sua hegemonia, quererรก arrastar na sua queda o resto da humanidade. ร medida que vรช os seus privilรฉgios serem questionados, defende-os com dentadas cada vez mais ferozes.
Implementa medidas draconianas contra a imigraรงรฃo, como as de retirar as crianรงas dos seus pais colocando-as em jaulas. Ou como o infame asilo offshore, que consiste em deter grupos de pessoas sem documentos para depois as deportar para regiรตes desรฉrticas e inรณspitas do planeta aonde as espera o isolamento, a inaniรงรฃo e a morte.
Protege-se em fronteiras militarizadas e acumula arsenais. Estimula economias internas baseadas nas indรบstrias armamentista: desenvolvimento ao serviรงo da morte; tecnologia de ponta para o Armagedรฃo; laboratรณrios farmacรชuticos nรฃo em prol da saรบde mas das armas biolรณgicas; bombas tรกticas e estratรฉgicas; mรญsseis hipersรณnicos. Brinquedos atรณmicos e outras parafernรกlias de destruiรงรฃo massiva.
Ensaiam a conduรงรฃo da hecatombe existencial. Apagam as marcas do passado e o pulsar do presente, no portal do futuro poderรก ler-se: NADA TERร SIDO. NADA SERร.
Caquรฉtico e obsoleto o aparato polรญtico e desacreditadas as instituiรงรตes, resta ao poder colonialista uma sรณ saรญda, que aceita sem muita reserva: dar via livre ร ascensรฃo do fascismo. O movimento estรก a acontecer tanto nos Estados Unidos como na Europa. Se nรฃo for travado, consolidar-se-ร como naรงรตes bรกrbaras, sombra da prรณpria sombra.
Estes sรฃo os sinais da sua decadรชncia. O que o prรฉmio Pullitzer Chris Hedge caracteriza como o fim do domรญnio norte-americano.
Quando um impรฉrio cai, รฉ porque jรก havia caรญdo.
Apesar do ruรญdo, numa praรงa de Bogotรก os jovens que apoiam Gaza cantam. E nas universidades norte-americanas โ centros do saber e do poder -, os estudantes montam acampamentos enfrentando aos diretores e a polรญcia para denunciar Israel.
A resistรชncia fortalece-se, a audiรชncia cresce.
Milhรตes de pessoas no mundo todo โ sobretudo jovens โ expressam a sua indignaรงรฃo diante do horror lanรงado contra o povo palestiniano.
Nunca antes tanta gente saiu ร rua para se manifestar. Rios de gente, dezenas de milhares em Londres, Baghdad, Viena, Joanesburgo, Cairo, Cidade do Mรฉxico, Kuala Lumpur, Washington, Madrid. Nem mesmo na รฉpoca do Vietname houve tanta mobilizaรงรฃo global da populaรงรฃo desta forma, desafiando as puniรงรตes, perseguiรงรตes, prisรตes e expulsรตes.
No calor dos protestos surge uma geraรงรฃo anticolonialista que nรฃo se filia ao modelo de civilizaรงรฃo ocidental. Persegue uma nova forma, digna e justa, de viver e de pensar.
Os indignados da Terra criaram coragem, como David contra Golias.
Na Amรฉrica Latina, em รfrica, na รsia, no Mรฉdio Oriente, os povos sujeitos a antigas e novas opressรตes deixam de olhar para o Norte para olhar-se entre si. Encontram afinidades e constroem rotas de liberdade. Ao reconhecerem-se, invertem o mapa geogrรกfico.
A consciรชncia anticolonial, que comeรงa apenas como um rumor, um valor, uma expectativa, vai-se condensando no Terceiro Mundo e na inquieta periferia das grandes cidades do Primeiro. Transformada em ponto de fuga, a efervescรชncia de rebeldia poderรก concentrar-se em programa polรญtico e plano de aรงรฃo.
No fundo escuro da minha alma, invisรญveis, forรงas desconhecidas travavam uma batalha em que meu ser era o solo, e todo eu tremia num embate incรณgnito
Fernando Pessoa
Se a fรฉ move montanhas, a consciรชncia coletiva supera cordilheiras.
Os governantes ocidentais ficam sozinhos no abjecto acto de abraรงar e parabenizar os genocidas, fornecendo-lhes armas e recursos para que possam finalizar a sua tarefa de extermรญnio.
Hรก excepรงรตes. Ainda que poucas, honrosas; aquelas que, em pleno uso da independรชncia e da dignidade, denunciam o genocรญdio perpetrado em Gaza por Israel. Sรฃo os governos da รfrica do Sul, da Irlanda, de Espanha, do Brasil. E da Colรดmbia.
Hay otras voces que se escuchan hoy. La corriente anticolonialista tiene sus profetas, sus YouTubers , sus activistas y poetas. Entre todos formaron un coro, abrieron camino, tejieron filosofรญa. Siguen a Julian Assange en su compromiso de desenterrar verdades para sacar a la luz los crรญmenes cometidos por el poder.
Sus nombres son Noam Chomsky, Chris Hedges, Lula da Silva y Tarik Ali, Ramรณn Grosfoguel, Jeremy Corbin, Susan Sontag y Jean-Luc Melenchon. Roger Waters, de Pink Floyd. La escritora australiana Caitlin Johnston. Amy Goodman, de Democracy Now, la diputada irlandesa Clare Daly. Y Gustavo Petro. (Y, sin duda, Saramago, si estuviera aquรญโฆ). Todos coinciden en su repudio al sionismo y su apoyo a Gaza.
Porque Gaza representa a los pobres del planeta, los desheredados, los desposeรญdos y explotados y luego demonizados, despreciados y considerados desechables. La polรญtica de exterminio diseรฑada para Gaza es sรณlo un modelo. Un experimento sobre lo que se pretende aplicar, y ya se estรก aplicando, a las masas de inmigrantes, a las razas no blancas, a las religiones no cristianas.
volverรฉ a pisar las calles
De lo sangrienta que fue Gaza
y en una hermosa plaza liberada
Dejarรฉ de llorar por los que estรกn ausentes.
(Parafraseando a Pablo Milanรฉs)
Una Gaza liberada romperรญa la secuencia automรกtica de fatalidades. Simbolizarรญa el entierro del antiguo orden y el acceso a un espacio de posibilidades deslumbrantes e inesperadas. Un milagro secular.
*Texto publicado originalmente en La Jornada, Mรฉxico. Traducciรณn: Ricardo Viel y Sรฉrgio Machado Letria